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terça-feira, 26 de abril de 2016

A jornada da volta (temporária) pra casa - Parte 4: Brasil



O trem partiu de Amsterdã - e chegou em Bruxelas - no horário, e só precisei me atentar ao fato de que eu não estava no assento correto (preste atenção caso sua passagem seja de assento marcado pois do contrário você será convidado a encontrar o correto!). Dei um pequeno vacilo ao comprar a volta para o centro de Bruxelas ao invés de direto pro aeroporto, então desci numa estação mais próxima ao mesmo e ainda que precisasse correr um pouquinho (pois acompanhei o outro trem chegando pelo tal app) comprei outro passe direto pra lá. 

A partir daqui foi tudo sem ter muito o que contar, tirando o fato de que em 24 horas estive entre Amsterdã, Bruxelas, Madri e São Paulo. Meu voo foi pela Ibéria, e foi engraçado ir com o assento vazio ao meu lado, pensando que era um acaso no mínimo intrigante, já que deve ter ocorrido o mesmo quando perdi a tal passagem de volta pro Brasil pela mesma companhia. As conexões foram tranquilas, e meu voo pra São Paulo saiu de Madri quase meia noite, o que me permitiu dormir um pouco, como sempre.

Os únicos pontos a se destacar foram: 1) o cara super estranho que foi do meu lado - que chegou já tirando os sapatos e colocando os pés pra cima. Além de não ser exatamente super cheiroso, o ~jovem~ cismava em me "pular" caso precisasse ir ao banheiro ou algo do tipo, talvez pensando que dessa maneira me incomodaria menos... E: 2) não lembro se contei antes, mas tenho uma pequena restrição à lactose, e desde então sempre peço comida com esse tipo de restrição no voo (o pedido tem que ser feito com antecedência no site da companhia). O problema é que a comida é sempre MUITO sem graça, e percebo que o servido como padrão raramente tem leite e/ou iogurte, meus principais vilões. Depois de comer legumes cozidos com um frango branco como a neve de jantar E café da manhã, eu resolvi não fazer esse pedido mais (e fui bem sucedido na volta pra Irlanda!).

Momento flashback: A primeira lembrança que tenho ao botar os pés na Irlanda foi de sair do aeroporto e levar uma baforada fria na cara - já me preparando pra como seria a vida nesse país - sendo essa uma situação corriqueira em toda viagem que faço pela Europa. A minha surpresa foi chegar em São Paulo e receber uma baforada quente! Ri muito daquilo, e tive a certeza de que estava de volta ao meu país. Parecia muito engraçado ouvir todo mundo falando português (e conversando MUITO alto!) mais uma vez. Como já esperado, precisei cruzar os terminais do aeroporto de Guarulhos andando novamente por uns 20 minutos sem parar, ainda com bastante sono e num calor danado por conta das roupas que vestia, vindo do final do inverno europeu. O que eu não esperava era, por conta da minha enorme e estufada nada discreta mochila, ter sido "selecionado" pela alfandêga, e esperado por uns 20 minutos até que o responsável pelo scan aparecesse e me liberasse. O gentleman foi hiper arrogante ah Brasil e suas pessoas que se acham superiores por conta de seus cargos... e só não questionou muito porque eu disse que morava na Irlanda, e por parecer que o cara na minha frente estava numa situação mais complicada do que a minha na tal fila.

O terceiro voo da sequência que me levaria a BH foi tranquilo e rápido, e a baforada quente ao descer foi ainda mais intensa. Estava de novo na minha terra! Enquanto o avião ainda estacionava eu olhava aquele imenso céu azul em um dia lindo, e ria por dentro por achar aquilo tão estranho e diferente, algo que fez parte da minha vida por tanto tempo e que agora parecia tão distante. Aliás, boa parte da minha sensação no país era de um distanciamento estranho, acho que principalmente por ter as sensações estranhas de "voltei" e de "só por um tempo" misturadas.

Minha família acabou errando um pouco no horário da minha chegada, e precisei esperar um pouco com uma enorme sensação de cansaço. Mas em pouco tempo lá estavam eles, e lá estava eu novamente entre eles. Nesse ponto tudo é muito engraçado, pois todo mundo parece ter continuado a vida da mesma maneira, enquanto eu havia vivido uma vida inteira nesse quase um ano! Me pagar contando tudo o que tive de experiência desse meio tempo soava até pra mim meio surreal às vezes, talvez por isso tudo parecer ser parte de uma realidade tão distante pra eles (e provavelmente pro meu "eu anterior"). Isso também me fez perceber o quão longe eu de fato cheguei na minha vida até então, pois dentro da minha realidade na Irlanda tudo pareceu mais "um passo depois do outro", mas ao analisar de fora literalmente confesso que me deu uma sensação mesmo que pequena de "Acho que eu venci!". Por mais surreal que aqueles mais de 10 meses de vivência maluca e única tivessem me proporcionado me mostrava que eu tinha crescido, evoluído como pessoa e que era aquilo, era o que eu tinha vivido, e agora eu estava lá de volta!

Já no mesmo dia da volta fui à casa da minha avó, e meu Deus, como é AINDA melhor comida de vó depois de quase um ano longe! Aliás, foi muito interessante poder ter a experiência de fazer um monte de coisa, antes tão corriqueira, pela primeira vez depois de todo esse tempo. De usar a minha língua - que cheguei a titubear em alguns momentos, veja só! - a usar roupas curtas (e como parecia estranho ver homens sem camisa ou meninas com micro roupas!), assistir TV e comer arroz com feijão, tudo era meio que uma "velha novidade".

Meus dias em casa se resumiram a basicamente ficar à toa durante o dia assistindo Fátima Bernardes e coisas do tipo e saindo à noite. Aliás, saí todas as noites, e foi uma sensação muito legal poder rever diferentes amigos e familiares por todos os dias em que estive lá. Pude comer tudo o que eu quis, esvaziar minha mochila distribuir todos os presentes que havia trazido, e botar todas as fofocas em dia ainda que isso muitas vezes se resumisse a contar a mesma história 30 vezes! Algo bem legal também foi poder como poucas vezes antes, gastar simplesmente sem se preocupar com o valor, pois sabia que no final das contas ainda seria barato, por conta da diferença do valor do euro. Justiça fosse feita depois de ter vendido até as cuecas tudo pra poder ir pra Irlanda, né?!

Como cereja do bolo, tive uma experiência fantástica nesse período ao poder, junto com minha família, voltar à cidade que morei por mais de 20 anos. Explicando: Na verdade eu nasci em BH, mas morei quase a vida toda em uma cidade na "região metropolitana" chamada Santa Luzia, numa região mais pobre simples e perigosa com um pouco mais ocorrências policiais que a capital. Ver de onde eu saí e enxergar onde estou me fez refletir demais sobre passado e futuro.

Foi interessante ver o quanto muita coisa tinha permanecido igual, mas também ver que coisas também mudaram. Usei Uber quase todos os dias que saí de casa (e aliás no dia em que usei táxi foi mais caro e o motorista foi bastante inconveniente). As mudanças que mais me preocupavam no entanto eram as sobre o país em geral. A começar pelo surto de Dengue/Zika/Chicungunha especialmente em BH estava um pouco assustador. Tive casos bem recentes na família, e fiquei à base de repelente por todos os dias lá. Me assustei também com uma compra de "guloseimas" que fiz num supermercado. Não sei se julgando apenas pela questão numérica da coisa, mas fiquei impressionado ao ver mais de 100 reais se evaporarem numa compra extremamente simples, ao lembrar que minhas compras semanais aqui, já nem lá tão controladas assim, raramente dão mais que 50 euros. E isso pra não falar da questão política.

No post que escrevi já há quase um ano atrás, falei sobre a minha politização. Acompanho bastante sobre o cenário político do país mesmo estando de longe aliás, acho que mais do que muita gente que está lá de fato. Logo, já imaginava que não teria muitas surpresas, tendo noção de como estava a realidade do país. O que eu não imaginava é que a situação de empregabilidade/inflação (vide paragrafo anterior) parecia mesmo pior que o esperado. Pra piorar, no dia da minha chegada houve toda aquela história do Lula assumir como ministro, áudios da Lava Jato sendo vazados e etc. Fiquei ainda mais assustado com tudo que acontecia, com como o país parecia de fato polarizado, de como a imprensa manipula claramente o que e como contar cada notícia, e ainda saber o quanto aquilo de fato funcionava na cabeça do brasileiro médio. Ao mesmo tempo era visível claramente que a situação geral do país não era boa (bem pior do que quando saí), e que as pessoas esperavam de alguma maneira que os dias de glória nem tão distantes assim voltassem, ainda que ninguém soubesse exatamente como.

Acima de tudo, eu sabia que inevitavelmente essa viagem serviria pra que eu analisasse meu futuro. Me dar matéria-prima pra que eu pudesse processar qual seria de fato meu próximo passo. Brasil? Irlanda? Nenhuma das alternativas anteriores? A verdade é que essa sensação de distanciamento que citei no início me acompanhou do primeiro ao último dia, e com ela veio algo como "eu não pertenço a isso mais". Eu pelo menos não consigo me imaginar morando na minha cidade mais, mas minha sensação ao passar esses dias era de que aquela realidade era diferente de mais do que eu era, ou havia me tornado, e me imaginei fatalmente com uma crise de depressão brava se tivesse que voltar em definitivo. Fosse pela completa falta de identificação com a quantidade de energia gasta pelas pessoas em geral com futebol, ou interessadas na vida alheia, ou com a certeza de poder viver bem com pouco na Irlanda, numa vida mais tranquila e sem muitas preocupações e apertos. Em contrapartida, depois de completar praticamente um mês da minha volta quando escrevo esse post, ainda não me imagino vivendo na Irlanda por muito tempo, mas talvez por algum tempo. Minha falta de identificação aqui ainda é grande - embora de uma maneira completamente diferente da mesma sensação com o Brasil -, mas a ideia é ir ficando por um tempinho, enquanto decido de fato qual será o próximo passo.

Por fim, os dias passaram como um foguete, e logo era hora de dar tchau novamente. Com os planos alterados por conta do triste incidente na Bélgica (no aeroporto que eu estava na semana anterior, e para onde eu iria caso a tragédia causada pelo Estado Islâmico não tivesse acontecido), eu acabei mudando a minha rota e desci em Londres, saindo de lá mesmo - mas outro aeroporto - em direção à Dublin. Não dormi nada no voo por já ter acostumado com o fuso brasileiro, e achei o avião da British Airways e o que eles oferecem numa média até um pouco pior do que a tão reclamada Ibéria. Mais uma vez minha casa e minha família ficavam e eu partia, mas a verdade é que a sensação que eu tinha naquele momento era de que aquela era a hora de ir pra casa, e dessa vez o conceito de casa pertencia ao meu lar irlandês.

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